Está tudo bem não estar bem

Até quando o excesso de posicionamento nas redes sociais pode ser benéfico?


“It’s Ok not to be Ok”. A recente manchete da revista Time ( está tudo bem não estar bem), que trouxe o desabafo da tenista Naomi Osaka — ao desistir de Ronald Garros para cuidar da saúde mental — , é sinal de que a busca do sucesso tem sim, o seu preço. O montante a ser pago vai depender do nível de exigência que cada um impõe para si mesmo.

Na realidade, obter sucesso atualmente tem ido muito além do desempenho profissional, implica num checklist que passa pelo cumprimento de metas pessoais no quesito trabalho, e tambémna vida pessoal: temos que ticar inúmeros tens de uma lista que vão de uma boa alimentação, dormir bem, fazer terapia, praticar exercícios físicos, até aprender a meditar ou manter relações saudáveis nos ambientes que frequentamos.

Todos queremos respeitar essas práticas para cultivar a saúde mental. Mas quando elas atingem o patamar do exagero, estamos entrando na zona da ortorexia psicológica, transtorno que teve origem na chamada ortorexia nervosa ou simplesmente ortorexia (consiste no consumo de alimentos saudáveis, e somente saudáveis), mas que ganhou também outros contornos.

O excesso de preocupação com a perfeição do bem-estar tem alimentado a cultura de excessos que, às vezes nos coloca numa positividade tóxica e num cenário de competições vazias que em nada contribui para o processo de autoconhecimento.

Se consideramos esse desejo pela perfeição do bem-estar no contexto das redes sociais, o nível de exagero pode alcançar índices ainda mais alarmantes e virar o feitiço contra o feiticeiro, ou seja, a necessidade de demonstrar que estamos bem todo o tempo ou praticar a extimidade (desejo de o indivíduo comunicar ou expor o seu mundo interior ao outro, conforme Lacan), tende a se apoderar da nossa autonomia e capacidade de nos desenvolvermos, o que, às vezes, requer um processo não tão equilibrado. Altos e baixos fazem parte, com certeza.

A ideia de que temos 100% de controle sobre nossas vidas e que somos responsáveis pelos nossos erros ou conquistas começa a mudar. É importante valorizar as conquistas mas também os nossos fracassos e fragilidades. Admitir que somos falíveis, imperfeitos ou que de vez em quando almejamos mais do que podemos concretizar, nos aproxima da possibilidade de viver melhor, ao invés de querermos ser melhores. O processo de autodesenvolvimento tem mais a ver com reconhecimento e aceitação de quem somos, do que quem gostaríamos de ser ou de mostrar para o mundo.

Cuidar da saúde mental e do bem-estar deve estar dentro de parâmetros também saudáveis. Se a pressão por bater metas de autocuidado está muito grande ou se estamos indo além da nossa capacidade, em nossa rotina, é preciso rever a nossa prática.

Uma positividade muito alta ou desejo “insaciável” de controle podem ser sintomas de que algo não vai bem. Olhar para a própria ansiedade ou admitir que não podemos ir em frente numa determinada situação, como fez a tenista Naomi Osaka, pode ser o primeiro passo para ativarmos a nossa autopercepção e darmos início a um verdadeiro processo psicoterapêutico e de autoconhecimento.